Estiagem de recursos
A bem sucedida parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) para a construção de cisternas no semiárido correu risco de acabar em janeiro. Em meio a denúncias de irregularidades nos contratos do governo federal com organizações não governamentais, no fim de 2011, cogitou-se dar fim ao repasse para as cerca de 750 organizações da sociedade civil que integram a ASA. Juntas, elas foram responsáveis pela construção de 372 mil cisternas, desde 2003 (Radis 94).
“Organizações comprometidas, que mais ajudam os pobres e fazem um trabalho sério, acabaram pagando o pato por desvios de recursos”, lamentou o coordenador nacional da ASA, Naidison de Quintella Baptista. A possibilidade de não renovação do contrato gerou grande repercussão: caminhada organizada pela ASA reuniu cerca de 15 mil agricultores do semiárido, segundo levantamento da Polícia Rodoviária Federal, em dezembro na ponte Presidente Dutra — que liga Juazeiro, na Bahia, a Petrolina, em Pernambuco.
Em faixas, frases como “Desarticular é retroceder. A ASA é o povo no semiárido. Não queremos voltar à Indústria da Seca” e “Por um semiárido mais justo”. Outra estratégia foi o recolhimento de cartas escritas ou ditadas por homens e mulheres de comunidades rurais do semiárido, depois enviadas à presidenta Dilma Rousseff. As cartas falam da alegria pela conquista de uma cisterna perto de casa e do receio de o trabalho ser interrompido. (veja trechos de alguns depoimentos e pedidos abaixo).
Pressionado, o MDS voltou atrás e prorrogou dois acordos com a ASA até o fim de março, com aditivo de R$ 6 milhões, cujos recursos serão destinados a dois programas. Um deles, denominado Uma Terra e Duas Águas, prevê a construção de 443 cisternas-calçadão, tecnologia que armazena água para produção de alimentos. Já o programa Um Milhão de Cisternas é responsável pela construção de cisternas de alvenaria para consumo humano. Esses reservatórios são de cimento e cada um tem capacidade para captar 16 mil litros d’água nos períodos de chuva, o suficiente para uma família beber e cozinhar durante 10 meses.
“Temos uma parceria de sucesso e precisamos seguir avançando para levar água às famílias mais pobres”, disse a ministra Tereza Campello em nota. “Acreditamos que o governo não vai descartar nossa experiência, premiada no Brasil e no exterior”, confia Naidison. Mas ele ressalva: a solução encontrada pelo MDS é provisória. A expectativa é de que um novo termo, já em negociação, seja assinado até março.
A construção das cisternas foi uma iniciativa pioneira da ASA: em 2003, a rede apresentou proposta de parceria ao governo Lula, que encampou a ideia. O trabalho da ASA se baseia num modelo de convivência com o semiárido: “Nós nos opomos à linha de combate à seca, que envolve grandes empresas, latifundiários e grandes obras, sem a participação da população da região e sem modificar em nada a realidade econômica, social e política”. A comunidade ajuda a escolher quais famílias terão prioridade na construção de cisternas, o material é comprado na região e os trabalhadores passam por cursos de qualificação. “Nossas cisternas custam menos da metade do que custam as de plástico e movimentam o mercado local”, compara Naidison. Enquanto a de alvenaria precisa de um investimento de R$ 2.080, o valor da cisterna de plástico chega a R$ 5.000.
Levantamento do próprio MDS aponta a necessidade de construção de mais 1,2 milhão de cisternas na região. Apenas parte deve resultar do acordo com a ASA, já que o governo ainda planeja distribuir cisternas de plástico. “As de plástico não empregam nossos pedreiros, não movimentam nosso comércio, não envolvem a comunidades”, critica o coordenador nacional da ASA. “É um pacote pronto vindo de fora, que gera apenas lucros para empresas”.
Fonte: ASA Brasil